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MARCIO BARALDI:
HOMENAGEM AO MESTRE RODOLFO ZALLA


Marcio Baraldi não é um sujeito de perder tempo, o cartunista não pára de produzir e acumulou três novos lançamentos nos últimos dois anos. Primeiro foram os livros "Vapt e Vupt" e "Rap Dez", com quadrinhos voltados para o Espiritismo e o Hip Hop respectivamente, mostrando a versatilidade do sujeito, que soube mandar bem em outros temas que não o rock, usando com competência a linguagem dos quadrinhos para conquistar públicos variados. E agora, o cartunista surpreende de novo ao lançar não mais um livro, mas sim o documentário em DVD "Ao Mestre com Carinho", que conta a história de Rodolfo Zalla, um dos maiores mestres das historias em quadrinhos brasileiras. Zalla, com 82 anos de idade e 62 de carreira, foi o criador de gibis antológicos como "Calafrio" e "Mestres do Terror", que fizeram a cabeça dos aficionados do gênero nos anos 70 e 80. Rock Underground foi bater um papo com o inquieto Baraldão para conferir todas essas novidades.


1) Como partiu a ideia de fazer o documentário "Ao Mestre Com Carinho"?
Eu cresci lendo os gibis do Rodolfo Zalla e da geração dele. Sou fã de quadrinhos de super-heróis dos anos 60 e 70 , e essa foi, coincidentemente, a melhor fase do Quadrinho Brasileiro. Tanto criativa como economicamente.
A geração do Zalla (Nico Rosso, Jayme Cortez, Colonnese, Shimamoto, Colin, Gedeone, etc) foi, de longe, a que mais produziu e ganhou grana com quadrinhos. E também a que teve mais ideologia e atitude, pois acreditaram que o Brasil podia ter uma indústria de Quadrinhos forte que fizesse frente ao domínio dos comics americanos. Editoras como Taika, Edrel, Jotaesse e GEP eram nacionalistas convictas e investiram pesado na produção de HQ nacional. Eles produziram nos anos 60 e 70 milhares de gibis 100% feitos no Brasil, de todos os gêneros: terror, aventuras, infantis, e de super-heróis bacanas como Capitão 7, Raio Negro, Mylar, Escorpião e muitos outros.
E ,infelizmente, essa, que foi a melhor geração da HQB está indo embora rapidamente. Nos últimos 4 anos morreram vários autores fundamentais como Minami Keizi, Gedeone, Colonnese, Edmundo Rodrigues, Gutemberg Monteiro e  Claudio Seto. Então eu corri fazer um documentário do Zalla, para registrar sua obra e sua trajetória, pois ele já tem quase 82 anos e não pode esperar muito mais. Aliás essa história precisa de muitos outros documentários e livros para conta-la decentemente, já que as novas gerações não a conhecem e o quadrinho está virando uma mídia em extinção.

2) Conte como foi o processo criativo para dar forma ao documentário.
O processo foi tipo Rockn'Roll: "1, 2, 3 e JÁ(risos)"! Eu nao pensei muito antes de fazer, nunca tinha feito um documentário antes e fiz no instinto. Como já conhecia uma parte da obra do Zalla e um pouco de sua biografia, fiz um roteiro, contratei um câmera experiente (Fernando Bolinha, que já trabalhou na Rede Globo), um iluminador e pronto. Fizemos o documentário em três pessoas. O roteiro, pesquisa e direção são todos meus. Gravamos em dois dias e editamos em dois meses. Tínhamos umas oito horas de gravação e filtramos tudo para 72 minutos de duração. O filé esta todo lá. Quem assistir o DVD vai conhecer a história toda de Zalla, por ele mesmo, sem atravessadores, e muito bem ilustrada. Eu sempre odiei assistir aqueles documentários sobre um artista em que o que menos aparece é o próprio artista. É muito comum esses documentários em que o cara pega 500 críticos pra falar do artista, mas o próprio artista mal aparece. Acho isso oportunismo e enganação. No caso do Zalla preferi dispensar críticos e deixar o próprio artista falar, contar sua história. E ficou muito legal porque assim o publico conhece o artista como ele realmente é e não como os outros o interpretam.
Também fiz questão de dividir cada fase da vida de Zalla em capítulos e ilustrar fartamente cada uma delas. Assim o documentário ficou num clima quase didático, onde qualquer pessoa, iniciada no assunto ou não, consegue entender.

3) O que representa - para você - uma pessoa como Rodolfo Zalla no cenário das HQs?
O Zalla é, como diz o titulo do DVD, um Mestre no sentido mais completo dessa palavra! Se ele tivesse feito carreira nos EUA , como seu brother José Delbó, teria recebido muito mais honras e grana do que recebeu no Brasil, mas aqui no Brasil é assim mesmo. Ele já está acostumado, pois escolheu a América Latina pra viver e trabalhar, ele é um homem de esquerda, agnóstico, muito politizado e racional. Ele conhece os problemas da América Latina muito bem e fez questão de construir um Quadrinho com cara de latino-americano. Enquanto essa moçada nova fica copiando manga ou o padrão dos comics americanos, com mulheres loiras e peitudas, o Zalla, Colonnese e outros dessa geração, foram na direção contrária: desenhavam mulheres morenas, baixinhas e bundudas (risos), típicas da nossa etnia. Os homens, na maioria, tinham cara de caboclos, indivíduos normais, típicos sul-americanos. Zalla também pegou o Targo e o Escorpião, que no começo eram plágios do Tarzan e do Fantasma respectivamente, e os transformou em personagens bem mais brasileiros, colocando-os na Floresta Amazônica ou no Pantanal mato-grossense, na companhia de índios, fauna e flora legitimamente brasileiros. Além de ter produzido milhares de páginas, ele ainda abriu sua própria editora nos anos 80, a D-Arte, e manteve duas revistas, Mestres do Terror e Calafrio,  nas bancas por mais de uma década, um verdadeiro fenômeno para uma microeditora como a dele. Nessas revistas ele deu espaço para todos os veteranos de sua geração, e ainda ajudou a projetar novos nomes como Watson Portela, Rodval Mathias, Mozart Couto, Seabra e muitos outros. Ele foi um profissional completo (roteirista/ desenhista/ editor), que além de artista de traço inconfundível, também se revelou empresário bem sucedido e homem de grande sensibilidade, solidariedade e visão de mercado. Enfim, ele foi e sempre será um nome fundamental para a História do Quadrinho Brasileiro e sul-americano.

4) Como foi a experiência de entrevistar Zalla? Você já o conhecia? O que você descobriu entre os depoimentos?
Eu o conheci pessoalmente em 2003, quando lancei o primeiro livro do meu personagem Roko-Loko, e comecei a frequentar os eventos de quadrinhos para vender meu trabalho. Nesses eventos conheci todo mundo, só o Colonnese que eu conheci um pouco antes, pois morávamos na mesma cidade, Santo André (no ABC paulista). Dali pra frente eu mandava todos meus livros pra ele e ele ia nos meus lançamentos e vice-versa. Então, quando eu fiz a  proposta pra ele, de fazer o documentário, ele topou de imediato, pois já tínhamos uma intimidade que o deixou seguro. Convivendo com ele só confirmei aquilo que eu já sabia, que ele é um professor de vida maravilhoso e um exemplo de profissionalismo, atitude e caráter pra qualquer artista. É uma honra pra qualquer um conhecer o Zalla e ficar amigo dele! Ele já tem mais de 60 anos de carreira, estava mais do que na hora de alguém fazer essa homenagem pra ele. Quem devia ter feito isso era alguma grande emissora de TV, mas como ninguém fez, coube a um fã e amigo dele fazer esse trabalho de preservação da obra dele e da memoria do Quadrinho Nacional. Agora nós estamos na fase de dar entrevistas, ir a programas de TV, o que tem sido bem legal, pois é muito divertido estar com o Zalla. Ele é muito carismático, inteligente e bem-humorado.

5) Teve patrocínio para a realização do documentário?
Nenhum. Nem corri atrás porque não tenho paciência pra burocracia. Prefiro ser independente e bancar meus próprios projetos. Prensei o DVD e botei nas lojas especializadas em quadrinhos e na net. Agora corro atrás de parceiros para exibir o filme, como Festivais e canais de TVs. Não parece, mas um simples documentário já dá um trabalhão danado.

6) Você sempre teve uma produção de quadrinhos de rock muito intensa, já tendo lançado vários livros do Roko-Loko e outros personagens roqueiros seus. Mas nos últimos anos você lançou dois livros fora do universo roqueiro, o "Vapt e Vupt" (2010) e o "Rap Dez" (2011). Fale um pouco desses livros.
Eu sempre fiz quadrinhos pra tudo quanto é tipo de revista, pra qualquer público. No Brasil a gente tem que ser pau pra toda obra se quiser se manter no mercado, e eu pessoalmente, gosto dessa versatilidade, gosto de falar com todo mundo sem ficar preso num assunto só. Os passarinhos "Vapt e Vupt" são uns personagens muito legais que eu faço desde 1995 pra varias revistas espiritas. Atualmente eles saem todo mês na "Espiritismo e Ciência", da editora Mythos. Esses passarinhos eu uso pra falar de problemas da Humanidade: racismo, guerras, violência, depredação da Natureza, etc. e é muito legal e serve pra qualquer público ou idade. São assuntos muito importantes que as pessoas precisam discutir cada vez mais.
E o "Rap Dez" é o primeiro personagem rapper dos quadrinhos. Ele sai todo mês, há dez anos, na revista Viração, uma revista teen politizada. O rap é muito forte no Brasil e com ele eu posso me comunicar com praticamente toda a juventude. E é uma música politizada e militante por natureza, então fica um veículo perfeito pra eu falar de assuntos que interessam pra moçada: aids, drogas, ecologia, ativismo político-social, vegetarianismo, estatuto da criança e adolescente, etc. As histórias dele são todas em versos rimados, como um rap de verdade. É um personagem muito legal, que me dá muita satisfação de fazer.

7) Mas voce continua firme nas revistas de rock, não é?
Nas que sobraram sim (risos). Continuo na Roadie Crew, Rock Brigade, Comando Rock e Dynamite (agora eletrônica). Mas o rock no Brasil infelizmente está em baixa, a mídia e o público em geral não se interessam mais pelo assunto. O cenário musical está dominado pelo funk pornô e pelo sertanejo/forró universotário (risos). As boas bandas de rock nacionais estão desistindo e o que a mídia chama de rock hoje é Restart (risos). Ainda tem muita gente boa no underground, mas, convenhamos, ninguém aguenta ficar nesse esquema a vida inteira. É preciso pagar as contas no fim do mês. Pra mim, só o que salva o mercado musical brasileiro, principalmente o rock, é apoio do governo, como foi feito com o cinema nacional. O governo criou a Ancine (Agencia Nacional de Cinema) e a partir dali o cinema nacional saiu do buraco, hoje os filmes brasileiros tem qualidade, fazem sucesso de público e geram milhares de empregos. Tem que acontecer o mesmo com a música. Precisa quebrar esse monopólio da mídia, as rádios e TVs do Brasil pertencem a meia dúzia de grupos poderosos que só tocam e exibem o que eles querem. Precisamos de rádios e TVs alternativas que toquem artistas brasileiros de qualidade e não música de merda movida a jabá. Isso só vai acontecer se tiver a participação direta do governo, pois custa muita grana.

8) Perfeito. E algum projeto para 2013?
Gostaria de fazer mais documentários sobre o Quadrinho e o Rock brasileiros. É preciso registrar toda essa história que, infelizmente, está morrendo.
Para comprar o documentario e os livros do Baraldi acesse o site www.marciobaraldi.com.br e o DVD em www.comix.com.br