Legados do Inframundo!
Entrevista: Júlio César Bocáter. Foto: divulgação.
RU – Começando nossa entrevista! Bem, a parte musical de Legados do Inframundo foi esmiuçada na resenha. A entrevista, além de divulgação, reservamos para a parte temática da banda. O Miasthenia aborda a temática Maia. Como foi a escolha do tema de Xibalbá, o Inframundo?
Hécate – Partiu de algo bem pessoal, de uma vontade mesma de entender outras formas de conceber a morte e o inferno, diferente das concepções cristãs. Eu já vinha lendo e estudando sobre o tema, pensando mesmo em fazer um álbum com essa temática pagã, porque é isso que buscamos para o Miasthenia, uma inspiração em mitologia e filosofia antiga pré-colombiana. O Xibalbá, reino da morte, é complexo, participa do funcionamento do cosmos, sua existência é positiva e produtiva, guarda sabedoria e forças essenciais, ao contrário do inferno cristão. A morte no Xibalbá não representa um fim, ou a eterna danação, mas sim um local de passagem. Nem todos conseguem superá-lo e vivem em letargia. É preciso força, sabedoria e coragem para sobreviver ao Xibalbá.
RU – Por que o nome Inframundo? Claro, todos entendem o que é, ainda mais ouvindo o CD e as letras, mas por que não outros nomes como Submundo, Infradimensão? Algo em especifico?
Hécate – Na mitologia o termo “inframundo” refere-se a algo situado debaixo da terra, onde enterramos os mortos que adentram no Xibálba. O Xibalbá tem mesmo uma localização geográfica, no interior da terra onde passam correntes telúricas, especialmente em cavernas ou cenotes. Não se trata de outra dimensão, porque os mayas concebiam o universo como uma grande árvore cósmica, cujas raízes representam o Xibalbá. As raízes alimentam o todo, assim a morte, a dor e o sofrimento do Xibalbá fazem parte de um grande ciclo, tudo está interligado, vida e morte, do inframundo ao zênite.
RU – A pronúncia do dialeto Maya é muito difícil. Eu mesmo tenho dificuldade em pronunciar e acabei aprendendo ouvindo o CD. Como é cantar os nomes de determinados Deuses, sendo que as palavras são difíceis de falar quanto mais de se cantar melodicamente e ainda com vocais guturais?
Hécate – Tive que fazer uma intensa pesquisa sobre isso e na hora de gravar foi preciso muita atenção, mas sem perfeccionismo, o que nos tomou algum tempo. Foi divertido!
RU – A métrica do Miasthenia não é convencional. Além das músicas não rimarem (e isso não faz falta alguma), ela não segue o padrão comum de estrofe 1, estrofe 2, refrão, estrofe 1, estrofe 2, refrão. Não tem refrão nas músicas, mas muitas estrofes são repetidas, mesmo quando se está no meio ou no fim da música. Digo que não tem refrão, pois há várias frases que se repetem. Como foi bolado isso?
Hécate – Isso é algo espontâneo, nossa forma de composição, vai saindo de acordo com o que agrada nossos ouvidos. Nossas últimas composições até apresentam alguns refrãos, mas buscamos uma estética pouco convencional, uma música é capaz de abrigar várias músicas, como uma trilha sonora de filme, no primeiro minutos ela pode ter o que você diz “estrofe 1, estrofe 2, refrão, estrofe 1, estrofe 2, refrão”, depois ela entra em outro clima, te leva para outro lugar, e podem vir outras estrofes e refrãos, porque variamos muito em andamento e sentimentos.
RU – Como é o processo de composição como um todo? Acredito que primeiro vocês fazem a letra e encaixam depois a ideia do instrumental. Pois deve ser mais fácil musicar as letras em português e com nomes difíceis do que encaixar as letras depois da música pronta.
Hécate – Primeiro pensamos na temática, mas seguimos compondo primeiro o instrumental, inspirados numa proposta temática, para ver no que vai dar, depois de alguns ensaios, feitos o encaixe e composição de todos os instrumentos, eu paro para ouvir o resultado, dai escrevo a letra, movida também pelo sentimento sonoro e depois parto para a lapidação que é quando encaixo a letra tocando o teclado ao mesmo tempo. Neste processo a temática pode até ser alterada, porque tudo vai dependendo do instrumental. Além disso, letra tem que se adequar ao ritmo, à minha forma de tocar, porque preciso coordenar voz e teclado, é sempre um desafio, nada fácil, são vários testes, várias versões, até chegar num resultado conceitual.
RU – Como foi a repercussão do DVD ao vivo?
Hécate – O DVD “O Ritual da Rebelião” foi lançado em 2011, vem tendo uma boa repercussão nacional, mas ainda seguimos divulgando, porque se trata de um registro histórico de nossas apresentações, não é tem gravação profissional, mas uma exposição da realidade underground de nosso país.
RU – Pela temática, creio que a banda teria potencial para alcançar outros públicos, fora do Black Metal nacional. Além do público ocultista e holístico, ainda públicos na América Latina. Algum disco já foi lançado lá? E este público holístico, tentaram alcançar?
Hécate – Pela temática da banda, o Miasthenia tem já um público que vai um pouco além do Black Metal, alcançamos pessoas que curtem desde o Hard, Heavy, Thrash e Death Metal também. Nossos álbuns sempre foram divulgados na América Latina, inclusive já participamos de coletâneas com bandas de Metal extremo no Uruguai e Bolívia, já tivemos convite para tocar no Peru, Bolívia e Uruguai, mas ainda não há condições. Quanto ao público ocultista e holístico, em primeiro lugar somos uma banda de metal e isso com certeza não agrada a todos, só a temática de uma banda não é algo suficiente para que ela possa ser respeitada em qualquer lugar, também não estou certa de que nossa temática os agradaria, porque tem muitos elementos poéticos, míticos e históricos, e especialmente sentimentos agressivos e anti-cristãos. Como te disse, em primeiro lugar somos uma banda de metal e não buscamos adeptos para compor nenhuma religião ou seita pagã ou esotérica, isso não nos interessa. O que fazemos é pura arte metal, inspirada em histórias, mitologias e sentimentos.
RU – A banda está na Mutilation atualmente. A Somber não está lançando mais nada momento?
Hécate – De fato o Miasthenia nunca assinou contrato com nenhuma gravadora, sempre fizemos acordos verbais, e assim foi com a Somber Music que lançou 3 álbuns do Miasthenia. No momento fechamos acordos com a Mutilation e a Misanthropic que lançaram este ano o álbum “Legados do Inframundo”.
RU – O Miasthenia falará algo sobre outras culturas correlatas, ou só Maia, Inca e Asteca mesmo?
Hécate – Em álbuns anteriores já falamos de cultura Inca e Asteca, o álbum “Supremacia Ancestral” fala de vários grupos e movimentos de resistência anti-cristã que surgiram em vários lugares da América colonial, inclusive dos iroqueses da América do Norte, como retrata a música “Kayanerehn kowa”. Ainda neste mesmo albúm, a música “Tawantinsuyo” fala da resistência do Império Inca, enquanto as músicas “Exortações de Ocelotl” e “Guerra do Mixton” falam de resistências astecas. O nosso primeiro álbum “XVI” teve uma inspiração maior na cultura Inca. O outro próximo álbum com certeza será diferente, buscaremos outra inspiração, mas sem perder o foco na cultura pré-colombiana e na resistência anti-cristã colonial, ainda não definimos.
RU – Não poderia deixar passar batido: muito se falou na mídia que os Maias previram o fim do mundo em 2012. Mas todos os arqueólogos e especialistas confirmaram que não era isso. Qual a opinião de vocês sobre esta expectativa patética?
Hécate – Também concordo com eles, os mayas tinham uma noção de tempo diferente, eles faziam previsões para o início e fim da cada “era” ou ciclo, que denominavam “Katun”. Em dezembro de 2012 simplesmente se encerrava os ciclos de um Katun. No século XVI, época que em que os espanhóis colonizadores chegaram no México, encerrava-se o 13º katún, tido como o Katun do fim dos tempos, com muitas profecias de morte, escravidão e destruição do povo maya. Não há fim absoluto nesta concepção maya, porque o tempo é concebido de forma cíclica, onde cada período de 20 anos corresponde a um katun.
RU – Que bandas do gênero vocês gostam? Vocês trocam “figurinhas” com outras bandas Pagãs temáticas do mundo?
Hécate – Nossos gostos variam muito dentro do Metal, indo do Hard, Heavy, Doom, Thrash, Death, Black ou Pagan Metal, passando também pelo Grind Core e a música clássica. Sim, temos alguns contatos com bandas de Pagan Metal da América Latina e Europa, cada uma com suas peculiaridades.
RU – Para finalizar, o final é de vocês, falem o que estiverem afim e não foi perguntado!
Hécate – Mais uma vez agradecemos ao Rock Underground pelo apoio e interesse no Miasthenia. Desejamos sucesso e vida longa ao Rock Underground! Assistam o nosso novo videoclipe (https://www.youtube.com/watch?v=wDh_vX-uwJ0) e acompanhem nossa página no facebook (www.facebook.com/miasthenia) para mais novidades. Força e honra sempre! |